Como fazer soar uma escala, parte 2 – Fugindo dessa força onipotente e onipresente que é o tonalismo
Manja a escala maior, que a gente usa o tempo todo pra tudo?
Então: assim como o alfabeto e os algarismos que usamos para escrever e representar os números, ela não surgiu do nada, nem do dia para a noite, e nem sob intervenção divina porque sim.
Falando muito, muito grosseiramente e de forma resumida, foi preciso alguns milhares de anos (em especial as últimas centenas) para que toda uma civilização criasse esse sisteminha que nos permite fazer música. Foi um trabalho coletivo de populações e gerações inteiras para chegar nas doze notinhas cromáticas que usamos.
Tonalismo, colocado de forma bem grosseira
Colocando de forma bem grosseira, o que temos hoje é um sistema de música baseado numa tonalidade. É o que se usa 90% das vezes. E os outros 10%, ainda que soem diferente, o fazem tentando justamente se distanciar desse grande referencial.
Colocando de forma bem grosseira, significa que as notas das escalas possuem relaçõe entre si. E uma nota em particular da escala será o seu centro tonal, que funciona como uma espécie de ponto de chegada da tonalidade. Nessa nota (e no acorde construído sobre essa nota) todas as tensões e dissonâncias são resolvidas.
Essa nota é a tônica, que dá nome á tonalidade. É nela que tudo se resolve – em dó maior, é o dó que é o ponto de chegada.
Colocando de forma bem grosseira as demais notas da tonalidade ganham uma função em relação á tônica: ou elas desestabilizam a a tonalidade, fazendo com que a música “ande” (e daí a idéia de progressão), ou elas reestabilizam e apontam para a tônica. É daí que vem a noção de funções harmônicas: os acordes se prestam, de maneira geral, a fazer o papel da tônica, desestabilizá-la ou estabilizá-la.
Essencialmente, é esse movimento que faz com que a música ande. Só que ela anda em círculos, saindo e voltando e saindo e voltando novamente para o acorde da tônica.
As notas e acordes que estão no contexto de estabilizar a tonalidade, resolvendo as dissonâncias no acorde da tônica, são chamadas de dominantes.
As notas e acordes que fazem o oposto, de desestabilizar a tonalidade, são chamadas de subdominantes.
(existe um motivo para esses nomes, mas deixo o assunto para um outro post)
Falando de forma bem grosseira, o tonalismo é o que faz a música ocidental ser o que é e soar do jeito que soa. É algo muito forte – quando você vê, já está caindo nos clichês tonais quase que inconscientemente.
Fazendo a escala maior soar modal
Os modos, por sua vez, soam do jeito que soam por dois motivos:
O primeiro são suas notas características. O modo frígio, por exemplo, tem o segundo grau da escala abaixado em relação a uma escala menor natural ou a um modo eólio. É explorando essa sonoridade que o frígio soa como frígio.
Repare como que este cara faz os modos manifestarem toda a sua sonoridade. =)
Isso vale para qualquer escala maluca que você possa tocar algum dia: tons inteiros, alterada, japonesa, cromática, etc. Cada escala tem uma sonoridade específica atrelada a determinados graus ou movimentos.
O segundo é a ausência desse movimento de resolução da dominante na tônica.
Várias escalas modais sequer tem o trítono, e isso facilita um pouco as coisas. Das escalas modais que possuem o trítono, é preciso não resolve-lo da forma como se faz numa cadência perfeita – no caso do modo jônico, por exemplo, que tem as mesmas notas da escala maior em outro contexto, isso é crucial.
Um bom ponto de partida para começar os estudos e o improviso é saber explorar a sonoridade característica de cada modo e evitar justamente os clichês e movimentos comuns do tonalismo.
É o que vai fazer a diferença quando se quer fazer com que as notas de uma escala maior soem como o modo menor natural, ou como o modo jônico, ou como o mixolídio de outra tonalidade.
Isso é bastante importante quando vamos tocar as escalas dos acordes, porque é preciso pensar modalmente dentro do contexto do improviso.