Guitarrismos

Mês: março, 2015

Dos motivos pelos quais os livros não oferecem tudo, capítulo 165233

O Mark Levine (pianista de jazz e autor de algumas bíblias sobre o assunto) nos fala dos primórdios do Jazz, sobre o estilo de improvisação dos instrumentistas da época – bota aí algo em torno de 1920-1930.

Basicamente, eram três os pilares da forma de improvisação da época: ouvido, instinto e experiência.

O que acontecia é que a galera que estava então fundando o estilo não tinha uma formação musical tradicional e escolarizada. Não havia coisas como a Berklee ou a Juilliard voltadas para o Jazz. Havia o ensino erudito, mas ele fazia parte de um mundo culturalmente alheio ao Jazz (e vice-versa).

Aprendia-se na rua tocando com as gigs e construindo o conhecimento sobre o assunto aos poucos. Isso explica, em parte, os vieses da teoria do jazz sobre a maneira clássica de se entender música (e vice-versa).

Aos poucos, o nível da galera foi subindo. Muita gente buscou uma educação formal para juntar à bagagem de conhecimento musical, e isso foi sendo passado adiante ao longo do tempo. É justamente aquela época em que o jazz começa a ficar mais complexo e cerebral, no melhor e no pior sentido do termo.

Hoje, qualquer um que se meta a estudar um pouco de improviso já dá logo de cara com aplicação de escalas específicas sobre acordes. Coisas do tipo “sobre o acorde X toque a escala Y e evite a nota Z”. Tudo bem mastigadinho e prático – o que é muito bacana, diga-se de passagem. Isso poupa um tempo absurdo e joga o aluno lá pra frente bem rápido.

Só que esse método atual, bastante acelerado em relação ao de tentativa e erro usado no passado, não resolve tudo, justamente por não oferecer ao músico a experiência de aprendizado de dentro da gig, testando idéias harmônicas e melódicas ao vivo e em tempo real. Ele é eficiente pontualmente, em fazer o aluno tocar rapidamente escalas sobre acordes ou o contrário.

Desenvolver linguagem, entretanto, é um outro departamento.

Quando que o trabalho de formiga compensa?

Transcrever harmonia e solos de uma música é um trabalho de corno que toma um tempo desgraçado.

Para cada compassinho, são horas e mais horas ouvindo a mesma canção repetidas vezes, tirando os fragmentos no instrumento e revisando tudo. Ainda assim, sempre pode passar um errinho ou uma informação pouco acurada.

Mas a vantagem – e o inconveniente – desse trabalho todo é que você é jogado no mundo real das músicas que a galera toca de verdade por aí.

Digo inconveniente porque, nessa hora, o estudante tem a oportunidade de confrontar aqueles conceitos que aprendeu arrumadinhos nas aulas com o que rola no mundo real. E é aí que o bicho pega.

Como você vai explicar aquela progressão maluca de acordes que soa direitinho mas que você nunca viu na vida? É empréstimo modal? É algum tipo de cadência rara? É o que? Mas antes da tônica não é pra vir a dominante? Aquilo é o que então?

É bem frustrante quando isso acontece. Fica parecendo que todas as aulas e toda a sua formação não passam de uma fraude. Mas é justamente nessa hora que a mágica acontece e a gente aprende a malandragem.

Fora que ao longo do processo você também malha escrita, leitura, um pouco de editoração (já que é preciso produzir um documento razoavelmente legível e inteligível), dentre outras coisinhas.

Esse tipo de trabalho oferece justamente o que os métodos, com seus exercícios prontos e licks, jamais poderiam oferecer.

Se você tiver amigos com quem possa dividir ou discutir o trabalho, terá uma oportunidade ótima de encontrar soluções que, sozinho, talvez não tivesse alcançado.